
O curitibano Matheus Costa, 33 anos, é o técnico mais jovem nas Séries A e B do Campeonato Brasileiro. Quando tinha 30 anos, levou o Paraná Clube à primeira divisão, comandando o time em 18 partidas. Voltou ao clube em 2019 e, mesmo com a quarta menor folha salarial da segunda divisão, brigou pelo acesso na maior parte do tempo, terminando na 6ª colocação. Em entrevista para o Bem Paraná, o treinador fala sobre os problemas internos no clube paranaense, sobre seu atual trabalho, sobre o passado no futsal e como analista de desempenho, sobre os técnicos favoritos no Brasil e no mundo e sobre o coronavírus.
Bem Paraná – Qual impacto do coronavírus na sua carreira profissional e na vida pessoal? Como está lidando com a situação? Está em casa com a família?
Matheus Costa – Estamos vivendo um momento de crise mundial e eu tenho meu papel como pai e professor em buscar esta reflexão com todos que estão ao meu redor. Somos responsáveis por tudo isto que está acontecendo e somente nós podemos reverter esta situação, seguindo todas as normas que nos é solicitada e buscando todas as prevenções necessárias. Hoje estou em Aracaju recluso em meu apartamento com minha esposa e nosso filho.
BP – Como está sendo esse início de trabalho no Confiança?
Matheus – Busquei na minha carreira profissional ter a oportunidade em trabalhar no nordeste e realmente o que estou vivendo aqui é algo fora de série. A recepção da população sergipana e do torcedor azulino foi algo que é de impressionar, a credibilidade que a direção me deu para realizar o trabalho foi absoluta e o grupo de atletas e funcionários do clube fizeram com que tudo isto se tornasse mais fácil. Isso faz com que o ambiente se torne agradável para a realização do trabalho e isso repercute em campo com desempenho e resultado. Me sinto feliz em estar correspondendo e contribuindo com o processo do clube de reestruturação e reconhecimento nacional.
BP – Como conseguiu fazer o time responder tão rapidamente?
Matheus – Minha chegada no clube foi o oposto das chegadas das maiorias dos treinadores. O clube vivia um momento muito bom com grandes resultados e o treinador que estava recebeu uma proposta e decidiu sair. Eu recebi o convite e sabia da minha responsabilidade em manter os resultados e expectativas geradas perante todos. Em pouco tempo pós minha chegada conquistamos o título estadual do 1 turno, garantindo a vaga da Copa do BR de 2021, mantivemos a liderança da Copa do Nordeste até o momento e estamos líderes do quadrangular final do estadual, mantendo todos os objetivos traçados pelo clube desde a minha chegada. Dar sequencia ao trabalho que estava sendo realizado, com algumas ideias e convicções da qual não abro mão com muito trabalho no dia a dia é o segredo para a manutenção deste início de temporada.
BP – Na Série B, o Confiança vai entrar com orçamento menor, para lutar contra o rebaixamento, ou a diretoria pode investir mais?
Matheus – Temos um orçamento para a Série B que acredito ser um dos mais baixos da competição mas isto não significa que seremos uma equipe que irá lutar contra o rebaixamento. Temos o objetivo claro de permanência na Série B, mas com pés no chão e respeitando todos nossos adversários nada impede que briguemos de igual para igual com todos os participantes, estamos trabalhando em busca disto.
BP – Você conseguiu um 6º lugar com o Paraná mesmo com uma das menores folhas salariais. No fim do ano, vários jogadores entraram com ações reclamando atrasos nos salários. Como era o dia a dia no clube em 2019 com essas dificuldades? E como você e os jogadores superaram tudo isso, lutando pelo acesso na maior parte da competição?
Matheus – O que nos dificultou para a busca do acesso não foi o Paraná ter uma das menores folhas salariais da competição, isto ajustamos e organizamos a equipe que demonstrou jogar de igual para igual com equipes de 3 a 6x o orçamento maior que nós, o grande problema e que encontramos muita dificuldade foram os atrasos salariais frequentes e promessas que acabaram não sendo cumpridas ao longo de toda a competição. Superamos através do projeto que todos compraram a idéia de ter uma oportunidade de vestir uma camisa forte como a do Paraná e pela busca de um acesso que sempre vimos que tinhamos condições de buscar. Foram dias que poucos imaginam o que se passaram nas semanas de preparações para os jogos e muitos deles prejudicaram sabendo que com uma preparação melhor poderiamos obter um resultado melhor, mas parabenizo todos pelo trabalho e campanha realizada, atletas e funcionários. Todos estão em meu coração. Ficamos tristes mas entendemos a situação dos atletas de fim de ano que entraram com ação contra o clube, eu mesmo tenho meu débito para receber mas quero finalizar isto de forma amigável pois entendo também que o clube vive um grave problema financeiro, muito difícil achar um culpado neste momento e estou sempre em contato com a diretoria para ver a melhor solução para finalizar isto.
BP- Você foi analista de desempenho antes de virar treinador. Qual a importância dessa profissão dentro do futebol atual? A experiência como analista te ajudou e ainda contribui no seu trabalho como treinador?
Matheus – A função do analista é tão importante quanto tantas outras funções que hoje existe na formação de uma comissão técnica, o treinador necessita de dados e informações para estar atento a todos os detalhes buscando seu melhor conhecimento em seu ambiente, seja analisando sua equipe, seu adversário, equipes que estão chamando atenção pela maneira de jogar ou na busca por atletas que estão se destacando. O papel do analista é nutrir de informações o treinador de acordo com os critérios impostos pelo clube ou propriamente as orientações de seu técnico e isto faz com que adquire conhecimentos de jogos e atletas e ganhe vivência de treinamentos e vestiários, este último eu considero como um dos mais importantes no futebol.
BP- Ser um técnico jovem tem mais vantagens ou desvantagens? Já sentiu um pouco de desconfiança por parte de algum jogador? Algum jogador ‘cascudo’ já tentou te ‘peitar’, por exemplo?
Matheus – Não vejo vantagem nem desvantagem, vejo somente em ser técnico e isto independe da idade, raça, sexo ou nacionalidade. Vejo aspectos fundamentais em um treinador respeitando sempre as características de cada um, mas algumas questões não importam e a idade é uma delas. A confiança você conquista a partir do momento que as pessoas passam a te conhecer e eu tenho adquirido esta confiança em todos os clubes que tenho passado, acredito que pelo trabalho do dia a dia e sinceridade nas conversas individuais ou em grupos que realizo nas semanas ao longo da temporada. Nunca tive “problema” com algum jogador por desrespeito ou algo do tipo, o que acontece óbvio são discussões respeitosas porque como treinador tenho que tomar decisões e estas decisões obviamente não agradam os 35 atletas (aproximadamente) que fazem parte do elenco, mas cabe a tua maneira de lidar com cada situação para não perder o atleta e mostrar sua importância no decorrer da temporada, aí é sua competência e capacidade em gerir cada situação específica.
BP- Você foi jogador de futsal. É um esporte que tem grande contribuição para o futebol de campo paranaense (como Ricardinho, Lúcio Flávio, Tcheco, Alex e Zé Rafael, por exemplo). Como foi sua carreira no futsal? Você trouxe experiências do futsal para o campo? O futsal não deveria ter presença constantes nos treinamentos de futebol campo, para contribuir com jogo no espaço reduzido e raciocínio mais rápido?
Matheus – Tenho grandes momentos e uma experiência inesquecível no futsal, a saudade desta época é muito grande e as lembranças são enormes. Eu participei de uma transformação do futsal que vejo que em passos curtos está sendo transferido somente agora para o campo. Iniciei futsal na época em que existia goleiro, central, dois alas (direito e esquerdo) e pivô com cada posição tendo sua característica específica para atuar na função. Com o passar do tempo o futsal passou a ser mudanças constantes de posição e as características dos atletas passaram a ser uniformes para as funções, visto que hoje as movimentações são por toda a quadra e todos devem saber atuar independente da função exigida para um determinado momento ou setor da quadra, as características hoje se assemelham para a prática do futsal. No campo nota-se já esta mudança. Hoje em dia já é natural ver zagueiro técnico com boa saída de jogo, volante que chegue na área para fazer gol, atacante que saiba marcar fazendo pressão na saída de jogo do adversário, então assim como no futsal, no futebol de campo as características dos atletas estão se assemelhando muito mais do que antigamente, pois atualmente é necessário que sem bola os 11 marquem e com bola os 11 joguem. Qualquer treinamento em espaço reduzido exige que o atleta toque mais vezes na bola percorra espaço a todo momento para criar situações no jogo fazendo com que o atleta tenha mais tomadas de decisões do que em um espaço aberto, tem momentos que o espaço reduzido é importante como tem momentos que o espaço aberto também pois o jogo pede isto, tudo depende da convicção de cada treinador e qual o objetivo do trabalho a ser realizado.
BP- No campo, qual melhor técnico que você já trabalhou diretamente? Qual o melhor técnico do mundo no momento?
Matheus – Trabalhei com diversos técnicos e todos tiveram sua contribuição em minha formação e continuam tendo pois o contato e as conversas ainda permanecem, cada um de acordo com sua característica, seja gestão, treinamento de campo, leitura de jogo, vestiário, intervalo, difícil mencionar somente um e não posso ser egoísta e dizer alguns nomes e de repente não me lembrar no momento de outros. Hoje temos alguns treinadores que é de se admirar o trabalho que estão realizando e vou enumerar alguns treinadores que na minha visão realizaram um belíssimo trabalho em termos de jogo / desempenho / resultado dividindo a nível nacional ou internacional:
Nacional
W. Luxemburgo – Cruzeiro (2003)
Paulo Autuori – São Paulo (2005)
Tite – Corinthians (2012)
Fernando Diniz – Audax (2016)
Dorival Júnior – Santos (2016)
A. C. Zago – Red Bull (2019)
Tiago Nunes – Athletico PR (2019)
Renato Gaúcho – Grêmio (atual)
Jorge Jesus – Flamengo (atual)
Internacional
Pep Guardiola – Barcelona (2008 a 12)
Jorge Sampaoli – Un. Chile (2010 a 12)
Sebastian Beccacece – Defensa y Justicia (2018 a 19)
Maurizio Sarri – Juventus (atual)
Jurgen Klopp – Liverpool (atual)
E deixo uma ressalva para todos que acompanham e admiram futebol não deixar de assistir pelo menos um jogo atual do Ajax sob o comando do técnico Erik Ten Hag.
Para os amantes do futebol e quem tem interesse em buscar conhecimento se acompanhar um jogo destas equipes mencionadas por estes treinadores com certeza terá algum aprendizado, menciono também aqui buscar literaturas de Carlo Ancelotti, Maurizio Sazzi, Marcelo Bielsa, Alex Ferguson e Cruyff.
BP – Qual maior técnico da história do futebol?
Matheus – Difícil mencionar o maior técnico da história do futebol, mas estes (resposta acima) fazem parte de um seleto grupo para a evolução do esporte seja aqui no Brasil ou fora.
BP- No Paraná Clube, você fez trabalhos com características diferentes (em 2017 e em 2019). Como você descreve o estilo de jogo do time de 2017 e o estilo da equipe de 2019?
Matheus– As características individuais eram diferentes pois cada atleta tinha suas particularidades porém a idéia de jogo eram próximas. Ambas eram uma equipe que sofria muito poucos gols, tinha uma defesa sólida e uma organização defensiva muito forte, em ambas as competições foi uma das equipes que menos sofreu gols, uma transição muito rápida e no momento ofensivo uma equipe que buscava a posse sempre com jogadores de articulação e velocidade para buscar o gol. A diferença entre elas foi que em 2017 fomos mais felizes nas finalizações, pouca gente sabe mas em 2019 o Paraná foi a 6 equipe que mais finalizou na série B, porém teve muita dificuldade para transformar isto em gol, se transformasse com certeza o acesso se concretizaria, com a convicção que outros fatores também influenciaram nisto, pois tivemos dificuldade em manter um alto nível de concentração nos treinamentos refletindo muitas vezes isto em campo. Agora se analisar e observar ambas as equipes tinha um modelo de jogo parecido com estrutura organizacional muito próximas obviamente respeitando a individualidade do atleta e buscando potencializar o que cada um tinha de melhor para buscar um melhor rendimento coletivo possível.
BP- Se você comandasse um elenco de estrelas (Messi, Neymar, CR7, Mbappe), como seria seu estilo de jogo? Seria mais Klopp, mais Mourinho ou mais Guardiola?
Matheus– Guardiola. Buscaria sempre ter a bola e o controle do jogo com a posse. Com estes atletas, ter a bola, o jogo ficaria muito mais fácil.
BP- E sobre o Paraná 2020? O que você pode dizer sobre a realidade que o clube está enfrentando e as expectativas para o ano? Como foi o convívio com Allan Aal e como analisa o trabalho dele até agora?
Matheus– Allan é um profissional que tenho uma amizade a muito tempo. Quando tive a oportunidade de retornar ao Paraná, o clube me abriu a possibilidade de levar um preparador físico e um auxiliar técnico. Sempre falava para ele estar preparado que a qualquer momento poderia ser ele ali no meu lugar. Ele estava passando por muitas dificuldades nos clubes que passava pela realidade dos clubes que pegava e esta experiência trouxe ainda mais preparação para quando tivesse a oportunidade. No final da temporada quando percebi que dificilmente ficaria conversei com o Allan e disse que era o momento dele. Torço muito pelo seu sucesso como a do clube também. As dificuldades acontecem e espero que seja passageira, acredito que ele fará um excelente trabalho nesta temporada e o clube tem uma equipe que favorece muito o trabalho do treinador, excelentes profissionais na comissão permanente.