Valquir Aureliano – Artesão ressalta aumento do interesse do curitibano pela pêssanka neste ano

A Páscoa se aproxima. Uma data que, na tradição cristã, celebra a ressurreição de Jesus Cristo. Desde muito antes, porém, a simbologia do renascimento já estava presente. Por exemplo, entre os povos eslavos, na época do paganismo, eram realizados festejos nesta época do ano para comemorar a chegada da primavera, tempo em que a terra reaparece e a natureza desperta após longo período debaixo de lençóis de neve.

Para garantir que as ensolaradas estações seguintes seriam frutuosas, o povo rogava aos deuses com oferendas. E entre essas oferendas havia um ovo, que servia como uma espécie de talismã e era pintado com signos e cores diferentes, carregando os anseios por saúde, paz, amor, prosperidade e boa colheita, entre outros.

Esses ovos, chamados de pêssankas, transcenderam gerações e há décadas passaram a fazer parte da Páscoa de muitos paranaenses, através da influência da imigração ucraniana (o Paraná é o estado que congrega o maior contingente de imigrantes e descendentes de ucranianos no Brasil).

Neste ano, inclusive, a tradição ganhou ainda mais notoriedade por conta de toda a repercussão da guerra entre Rússia e Ucrânia. É que com os olhos do mundo voltados ao leste europeu, também cresceu a curiosidade sobre a cultura dos países.

Em Curitiba, um exemplo disso está no atelier de pêssankas da família Serathiuk, que vive dias agitados como há muito tempo não se via. Segundo o artista Jorge Serathiuk, que há 43 anos trabalha com a produção do tradicional ovo ucraniano, ao final de março já havia sido vendido uma quantidade de pêssankas que seria equivalente ao que ele normalmente comercializaria ao longo de todo o período pascal.

“O povo não sabia nem onde ficava a Ucrânia antes. Aí todo mundo se lembrou da Ucrânia. E eu fiquei louco aqui em casa [risos]”, brinca o artesão, contando que teve de cortar pela metade os pedidos que recebeu de lojas para poder atender às pessoas que queriam a lembrança. “Eu vendia muito, pintava muito antes da pandemia. Mas neste ano foi uma coisa alucinante. Nem estou mais aceitando encomenda, já liquidou. Só estou aceitando encomenda para maio”, relata o artesão.

Segundo o descendente, a arte de fazer pêssankas faz parte da cultura ucraniana, é algo que os pais ensinam para os filhos. Ele mesmo, por exemplo, teve os primeiros contatos com a pintura de ovos vendo as tias fazerem suas pêssankas. Anos mais tarde, em 1979 descobriu junto com sua esposa, Iara, que a tradição poderia ser também uma fonte de renda para a família.

“A Iara quem começou, em 1979. Ela fazia em casa, para presentear a família, amigos, e aí fizemos uma exposição no Centro de Criatividade. Uma senhora viu e encomendou 30 ovos, o que era muito para a época, e aí eu fui ajudar. Já tinha pintado antes, mas muito pouco. Aí eu fui ajudar ela e a coisa cresceu”, relata.

Um trabalho realizado em família

Por muito tempo os responsáveis pela produção de pêssankas na família Serathiuk foram Jorge e sua esposa, Iara. Com o tempo, as duas filhas e os dois filhos do casal também começaram a participar. Os filhos se formaram e seguiram outros rumos. Já Iara teve um problema e acabou trocando de ramo, deixando o artesanato de lado e focando na gastronomia.

“Antigamente tinha eu, a Iara, minhas filhas e meus filhos produzindo. Eles se formaram, uma é pedagoga, outra psicóloga, um engenheiro florestal e outro engenheiro cartógrafo. Pintando pêssanka, formei meus quatro filhos. As pessoas às vezes têm alto cargo, salarião, e os filhos não conseguem se formar. A gente formou os quatro, graças a Deus”, orgulha-se Jorge.

A tradição das pêssankas, contudo, segue sendo ensinada entre os Serathiuk. Os dois netos mais velhos, por exemplo, estudam hoje na USP, mas até pouco tempo também pintavam com os avós. “Tem de aprender, saber como funciona, como é. É a regra da família”, diz o patriarca, relatando que a neta mais jovem, que mora na Nova Zelândia, em breve deve ser a nova aprendiz.

“As vezes eles me ligam, eu estou pintando e fico trabalhando enquanto converso. Ela [neta] fica prestando atenção e falou que quando vier para cá, eu vou ter de ensinar. Já prometi”.

Diversos símbolos e importância maior que o Natal

Embora as pêssankas sejam ovos pintados à mão, na realidade eles não são ovos pintados, mas sim escritos. O nome dessas obras vem do verbo pyssaty, que significa escrever. Nos ovos, então, são inscritos símbolos diversos. Por exemplo, para uma boa colheira se ‘escreve’ ou pinta no ovo uma haste ou um feixe de trigo. Para presentear os amigos, desenhos de animais para garantir riqueza e saúde. A flor, por sua vez, simboliza o amor. As aves, fetilidade.

“Na Ucrânia, a pêssanka é uma coisa muito antiga, milenar. Foram feitas escavações e descobriram que há mais de 2 mil anos eles já pintavam, faziam de ovos de cerâmica. A Páscoa, para os ucranianos, é mais importante do que o Natal. A Páscoa é o renascimento, e nada melhor para simbolizar o renascimento do que um ovo. O ovo é o símbolo do renascimento, e daí tem ainda todos os outros símbolos, os significados que são da cultura ucraniana, depois vieram também os símbolos do cristianismo. É uma linguagem”, explica Jorge Serathiuk

A família Serathiuk, inclusive, teve papel importante no ressurgimento, dentro da própria Ucrânia, da tradição das pêssankas.

É que no período da União Soviética as culturas locais foram reprimidas e o tradicional ovo foi proibido. Quando o país voltou a ser independente com o fim do regime comunista, o Ministério da Cultura ucraniano procurou o casal de Curitiba para ajudar nessa retomada. “Demos cursos em Kiev, gravamos um vídeo para ser distribuído em escolas da Ucrânia, deixamos peças para museus lá… E eles conseguiram resgatar a tradição”, celebra o artista.

A história da peça gigante de Curitiba

Se você já esteve no Parque Tingui, em Curitiba, e visitou o Memorial Ucraniano, certamente você já viu uma pêssanka. É que no local há um ovo gigante, feito justamente por Jorge Serathiuk. E a história sobre a obra de arte é para lá de curiosa.

Em 1982, Jorge participaria de uma exposição no Rio de Janeiro e precisava mandar fazer um cartaz. Ele vendia seus ovos na Casa do Artesanato e a chefe de lá, Julieta Reis, recomendou-lhe que fosse até o Largo da Ordem na Casa Romário Martins, onde falaria com um rapaz chamado Rafael, que poderia ajudá-lo na confecção do cartaz no Centro de Criatividade.

“O tal do Rafael era o Rafael Greca, que era um piazão na época”, recorda Jorge. “Daí eu dei os dados e tudo e ele até escreveu uma frase lá: ‘Pêssankas simbolizam o final de coisas simples e boas, que uns desejam aos outros até a eternidade’. Aí ele me falou que um dia seria prefeito de Curitiba e que faríamos um parque para os ucranianos e que era para eu fazer um projeto para uma pêssanka bem grande”.

O tempo passou e uma década depois, em 1992, Greca foi finalmente candidato a prefeito. Num dia, quando estava em campanha na feira do Largo da Ordem, avistou Serathiuk. “Ele me viu. Estava em terceiro lugar e me chamou. Perguntou se eu tinha feito o projeto, porque ele iria ganhar a eleição. E daí ele ganhou a eleição e um tempo depois me chamou na Prefeitura. Era para fazer um projeto e entregar o orçamento. E aí nós fizemos”

A ideia inicial de Jorge era fazer a pêssanka gigante em concreto. Uma conversa com um professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), contudo, o fez mudar de ideia. “Ele disse para não fazer isso, porque o concreto, com o tempo, racha, mesmo que você encha de ferro”. A solução, então, foi fazer a obra em bronze, metal. “É o que saiu. Daí peguei a frase que o Rafael escreveu em 1982 e coloquei lá”.