O advogado e ativista russo Alexei Navalny morreu no último mês de fevereiro, em circunstâncias muito suspeitas, na prisão da Sibéria em que se encontrava cumprindo longa pena por “traição ao Estado russo”. O que dá absoluta certeza de que a causa de sua morte é  assassinato por envenenamento é o retrospecto do governo de Vladimir Putin, antigo agente da famigerada KGB; o número de opositores políticos ou rivais de negócios do oligarca que morrem após aplicação de substâncias de uso praticamente exclusivo daquela agencia é espantoso.

Navalny já havia sido envenenado em 2020, sendo internado em coma em um hospital de Berlim, onde se constatou o envenenamento. Após recuperado retornou a Moscou, apesar de todas as ameaças do governo russo e de advertências de amigos e parentes. Chegando à Rússia foi imediatamente preso por “violação de liberdade condicional”, condenado a cumprir pena em uma das mais rígidas prisões do país, localizada acima do círculo polar e remanescente dos presídios soviéticos de péssima memória.

Não havia dúvida alguma de que o desfecho da volta ao país seria este, tampouco de que haveria um assassinato. O que motivou o ativista não foi desejo de poder, impossível de obter naquelas circunstâncias, nem o que se convencionou chamar de “patriotismo”, nem a vontade de se tornar um mártir; foi algo muito mais profundo e verdadeiro: dignidade. O respeito pelas próprias convicções e pelo papel político e histórico que se ocupa.   

 A dignidade da pessoa humana tem se tornado um princípio presente em diversos documentos constitucionais e tratados internacionais desde meados do século XX, começando pela Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, influenciando a Constituição de diversos países e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1976, a partir do qual tornou-se indispensável a praticamente qualquer tipo de documento.

Entretanto, a ideia de dignidade não surgiu no século XX e nem sempre esteve associada aos direitos humanos ou fundamentais, pois na legislação romana ela existia como um atributo de quem possuía certa ocupação e posição pública: o soberano, a coroa e o Estado eram dignos, e assim poderiam servir para classificar os indivíduos entre superiores e inferiores, pois nem todos eram dignos, por não possuírem certos cargos ou atribuições.

Apenas modernamente dignidade passa a se referir a um valor possuído por todos os seres humanos, noção desenvolvida a partir de uma ampliação da consciência religiosa, principalmente na tradição judaica e cristã, de países que haviam abandonado a escravidão e a consideração de que seres humanos foram criados à imagem de um ser superior; mas também em função do iluminismo e sua expansão filosófica, com a principal justificativa sendo a de Immanuel Kant, de que o Homem possui dignidade porque é capaz de dar finalidades a si mesmo, sem ser meio para realização de projetos alheios, podendo agir  de acordo com a lei moral.

Outro fator para a moderna concepção de dignidade aconteceu como reação às consequências da Segunda Guerra mundial, e a revelação de suas atrocidades.

Atualmente consideramos inclusive a dignidade animal como parte inerente do que definimos como dignidade, pois reconhecemos esta característica como indispensável a todos os seres dotados de senciência. O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz que “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, e este apelo tem sido recorrente nas decisões de diversos tribunais nas mais diversificadas matérias: interrupção da gravidez, união homoafetiva, pesquisas com células-tronco embrionárias, proibição de trabalho escravo, e muitas outras.

O princípio da dignidade humana é indispensável a todo processo educativo, pois é equiparável às ideias de igualdade, de consideração e respeito à autonomia pessoal, não pode haver dignidade sem respeito às próprias convicções, sem desejo de igualdade.

Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.