Das 10 câmeras que a TV Record costuma usar durante a transmissão de um jogo do Campeonato Brasileiro, pelo menos quatro são posicionadas para flagrar erros de arbitragem. Impedimentos duvidosos, pênaltis polêmicos, expulsões injustas – tudo é dedurado pela TV. Ninguém aparece mais do que os árbitros Eles são os novos reis do espetáculo chamado futebol. E não estão gostando nada disso. “Estamos expostos demais”, reclama o paulista Sálvio Spínola Fagundes Filho. “Os programas de domingo à noite repetem no máximo duas vezes um golaço do Ronaldinho Gaúcho. Já um erro da arbitragem é repetido no mínimo oito vezes”, diz Spínola.
Para Paulo César de Oliveira que apitou o clássico carioca entre Vasco e Botafogo no último dia 24, a exposição dos árbitros hoje é muito maior do que antigamente. “Eu não vejo isso como algo passageiro. A tendência é aumentar ainda mais”, diz.
O fenômeno não deixa de ser curioso. No país do futebol, o que polariza as rodas de bate-papo são os erros dos homens do apito, e não mais o golaço marcado por aquele atacante promissor do time de coração. “Ninguém mais fala do drible. Isso ficou em segundo plano”, diz Sálvio Spínola. “As transmissões da TV estão indo mais pela conotação da arbitragem.”
Silvio Luiz, narrador da TV Bandeirantes e que foi juiz de futebol nos anos 70, repete sempre no ar a tese de que “quanto maior o número de câmeras no jogo, maior a chance de se condenar um árbitro, e não de absolvê-lo.” Na opinião de Mauro Beting, especialista em futebol internacional e comentarista do Campeonato Italiano para a TV Bandeirantes, essa tendência dos brasileiros de se debruçarem sobre a atuação dos árbitros só encontra paralelo na Itália. “Lá também é uma loucura o quanto se fala da arbitragem”, diz Beting. “E ainda mais agora, que foi descoberto um escândalo de corrupção.”
No Brasil, a primeira emissora a armar um “big brother” para os árbitros foi a “Globo”, com a criação do recurso do Tira Teima, nos anos 80. Na década seguinte, consolidou-se a figura do comentarista de arbitragem. Gente como Arnaldo César Coelho e José Roberto Wright, que haviam acabado de pendurar o apito, voltaram a ficar sob os holofotes da mídia. O bordão “A regra é clara”, criado por Arnaldo César Coelho, foi incorporado ao vocabulário do futebol brasileiro.
“A figura do comentarista de arbitragem é importante para explicar ao torcedor o que se passa no jogo”, avalia Paulo César de Oliveira. “O problema é quando o comentarista fala do árbitro e não da arbitragem”, reclama Spínola, evidenciando rancor por algum comentário maldoso feito por um ex-colega.
Mauro Beting é daqueles que acha curioso não haver, por exemplo, um comentarista de goleiros ou de atacantes nas transmissões. Mas também considera fundamental o trabalho daqueles que trocam o apito pelo microfone. “São poucos os jornalistas que estudam o trabalho dos árbitros e podem falar sobre esse tema com propriedade. É por isso que acabam surgindo lendas como a do ‘último homem’, que não existe na regra, mas é cantado por aí aos quatro cantos”, diz Beting, que fez o curso de árbitro da Federação Paulista de Futebol assim como Paulo Calçade, comentarista da Rádio Bandeirantes e da ESPN Brasil.
Um bom exemplo da exposição dos juízes ocorreu há duas semanas, num jogo da Copa FPF entre Santacruzense e Atlético Sorocaba. A árbitra Silvia Regina de Oliveira validou um gol que não aconteceu – o gandula foi quem colocou a bola na rede do Atlético. Em questão de horas a imagem da bizarrice já estava na internet e sendo reprisada a exaustão nos programas esportivos da TV. “Há alguns anos, quem diria que haveria uma câmera num jogo como esse, de uma divisão menor do futebol paulista?”, indaga Sálvio Spínola.
Paulo César de Oliveira, apontado por muitos como um dos principais árbitros do Brasil, destaca: “A exposição tem o lado bom, já que muita gente entra na minha loja em São Bernardo assim que me reconhece da TV”. Por outro lado, diz o árbitro, “é ruim saber que a TV prefere destacar nossos erros.” Faz parte do show.