Recentemente um empresário, sabendo que estava sendo gravado, declarou que, para reduzir salários e intensificar jornadas, patrões deveriam tirar proveito do medo disciplinador, ou seja, por medo do desemprego o trabalhador sujeita-se a ser explorado ou então será substituído por outro, já que a reserva de desempregados é imensa.
Esta “lógica” rege hoje as relações trabalhistas, pois pais de família aceitam condições muitas vezes sub-humanas para não deixar seus filhos sem comida em casa, ou aceitam o que já está sendo chamado de “uberização” do trabalho.
Para fugir da falta de esperança, o mais intolerável e definitivamente insuportável para as necessidades humanas, e por não ter condições econômicas, educacionais e sociais de reagir ao movimento de destruição de direitos, muitos trabalhadores acabam por sujeitar-se, em penoso processo de marginalização.
Os modelos de relações laborais atuais, em função do ambiente econômico e produtivo, sofreram ajustes em função da chamada Quarta Revolução Industrial, que modernizou a capacidade de operar tecnologicamente, porém não introduziu novas estruturas relacionais no mundo do trabalho, ou seja, tem priorizado apenas as necessidades do capital, mas não as do trabalhador.
A Indústria 4.0, aspecto mais visível da Quarta Revolução Industrial, descentraliza os processos decisórios, atuando baseada em bancos de dados e algoritmos, utilizando dispositivos eletrônicos (software e hardware) e não apenas nas organizações industriais, mas também em aplicativos para compra de alimentos em supermercados, restaurantes e lanchonetes, aplicativos de transporte de passageiros, compartilhamento de veículos, locação de imóveis etc. Tecnologia promove transformações sociais e mesmo economistas consagrados não veem problema algum no desemprego (desde que não sejam os deles, evidentemente), dado acreditarem que estes são “fatos temporários”, isto é, a quantidade de empregos não tem a menor importância, desde que rendas e lucros não diminuam para os donos das empresas, pois estes gerarão novos investimentos.
Tudo parece demonstrar que, embora nossa sociedade não seja mais tão baseada no chicote – embora volta e meia fiquemos sabendo de centenas de trabalhadores encontrados “em situação análoga à escravidão”, belo eufemismo para a vigilância e o castigo -, para uma sociedade do rendimento, na qual muitos creem na ilusão de que para a realização de sonhos e realizar-se profissionalmente basta ser determinado e esforçar-se.
Assim, as pessoas se sobrecarregam de atividades laborais, matando-se ao tentar atingir produtividade máxima, querendo desesperadamente alcançar independência financeira, terminando por ficar deprimidos e com a sensação de que são simples fracassados.
Com certeza a Quarta Revolução Industrial trouxe avanços tecnológicos importantes, novos processos produtivos de bens e serviços, nanotecnologia, internet das coisas, inteligência artificial, que permitiram automação porém não cuidou dos novos processos educativos para os trabalhadores, trazendo então desemprego.
No entanto, trabalhadores e trabalhadoras na verdade destituídos de direitos básicos passam a sentir-se empreendedores, seres supostamente autônomos, e as grandes corporações começam a tomar o lugar de governos na condução das políticas econômicas, reduzindo a presença humana nas organizações, o que intensifica o discurso de empreendedorismo como futuro profissional.
Assim, esta quarta revolução é também cultural, pois muda ideologias e crenças populares, já que mesmo nos empregos mais formais deseja-se subordinação sem um sistema de proteção em troca dela.
Desde 1837, Charles Dickens, retratando no seu livro Oliver Twist no de David Copperfield em 1850, as classes menos favorecidas política e economicamente já se submetiam às piores condições de sobrevivência e de trabalho, tendo como opção apenas o crime ou a mendicância.
Iludidos pela mídia de que basta querer e se esforçar para ter sucesso no mundo do trabalho, dedicam sangue e suor a esta empreitada sem perceber que, sem recursos, sem qualificação, sem crédito ou financiamento público, não conseguirão empreender.
Saúde, educação, moradia, acesso às novas tecnologias são essenciais. Na ausência de políticas públicas, professores podem ensinar empreendedorismo nas escolas, introduzir um pensamento meritocrático em seus estudantes, que raramente haverá real inovação, abertura de novos mercados e quebra de monopólios.
Empreendedores por sobrevivência sempre terão dificuldades no mundo do trabalho, escolas ajudam, mas não podem agir sozinhas.
Wanda Camargo – educadora e assessora do presidente do Complexo de Ensino Superior do Basil – UniBrasil.