Um dos atores mais requisitados pelo cinema europeu, o alemão Franz Rogowski, de 36 anos, está com uma retrospectiva dos filmes que vem protagonizando na plataforma de streaming Mubi, celebrando uma reputação de ator-autor.

Visto no fim de 2021 no circuito brasileiro, à frente do longa Undine, de Christian Petzold, de quem está se tornando um intérprete-fetiche, Rogowski aparece na plataforma em Love Steaks (2013), de Jakob Lass; em Nos Corredores (In The Aisles, Prêmio do Júri Ecumênico na Berlinale 2018); em Luzifer, de Peter Brunner (uma das revelações de Locarno em 2021); e no drama vencedor do Prêmio do Júri da mostra Un Certain Regard de Cannes do ano passado: Great Freedom, de Sebastian Meise.

Esse último foi um dos títulos europeus mais elogiados da seleção da Croisette de 2021 e conquistou outros 19 prêmios com sua luta contra a homofobia e sua aposta lúdica no amor romântico.

“Os grandes filmes, aqueles que desafiam convenções, beneficiam-se da cultura do ‘cinema de arte’, ou seja, de espaços que fogem dos longas meramente comerciais. Mas hoje, com todas as transformações midiáticas, com a pandemia, os novos espectadores, até de gerações mais jovens que a minha, encontram nas plataformas de streaming uma maneira de descobrir essas narrativas pouco convencionais. Esses canais podem somar na nossa luta de manter a arte cinematográfica viva”, disse Rogowski em entrevista via Zoom ao Estadão.

“Eu venho da dança e de uma trajetória coreográfica. Meu corpo é uma expressão do movimento. E é com esse ferramental que eu posso levar algo meu a cineastas que ambicionam falar para o mundo”, contou. No cinema desde 2011, Rogowski está comovente em Great Freedom ao recriar um crime estatal de sua Alemanha natal: a criminalização da homoafetividade, encerrada só nos anos 1990.

Homossexualidade

O filme de Sebastian Meise nos leva ao pós-guerra, quando Hans Hoffmann (papel de Franz) é repetidamente encarcerado por ser homossexual. A única relação estável na sua vida se torna o seu companheiro de cela, Viktor (Georg Friedrich). O que começa com a repulsa se transforma em uma paixão, que nasce silenciosa e violenta.

“Solidão nem sempre tem a ver com o vazio. Pelo menos não quando você aprende a lidar com o silêncio e arrancar dele um sentido. Essa foi uma das lições dessa história real”, observou Rogowski. “Tínhamos pouco espaço para criar, pois a limitação física é algo essencial a uma dramaturgia carcerária. A questão ali era escavarmos, Georg e eu, diferentes camadas de sentido e mesmo de possibilidade para aquele amor entre Hans e Viktor. Georg se entregou ao personagem e me deu a chance de escavar intimidade ali, buscando uma reflexão sobre a identidade que temos hoje. Cresci num país em que, quando eu ainda era criança, ser homossexual era ilegal. Temos aqui, portanto, um desafio de falar de inquietação.”

Visto também em Happy End (2017), de Michael Haneke, e em Eu Estava em Casa, Mas… (2019), que rendeu o prêmio de melhor direção à realizadora Angela Schanelec na Berlinale, Rogowski tem recebido convites de todo o Velho Mundo para atuar.

“Eu não sou um grande leitor, um sujeito de literatura. Eu pesquiso os temas dos meus filmes no Google, pouco antes de filmar, cato alguns livros ligados ao assunto e os devoro e me fio nas informações que o roteiro me oferece sobre o personagem. Mas o que faz o processo acontecer é a relação com o próximo, a observação dos colegas de set, de todas as áreas técnicas, e a certeza de que entrar numa filmagem exige responsabilidade com as pessoas a sua volta”, explicou o ator, que ganhou elogios pela sua atuação no longa Em Trânsito, de Petzold.

Olhar particular

A dobradinha entre eles é uma das expressões mais potentes do cinema alemão atual. “Ele é um cineasta que roda cada cena num só take, repetindo apenas se algo, tecnicamente, sair errado. Com seu olhar particular, Christian promove uma reflexão sobre o mundo atual. Mas o que vocês veem na tela é um reflexo do set. Enciclopédia ambulante, ele conversa conosco sobre política, economia, arte, vida. E esse clima bom imprime no que vai para o cinema”, revelou Rogowski, que, em Luzifer, encarna um jovem com problemas mentais que tem um falcão como seu único amigo, à sombra de uma mãe dominadora.

Luzifer incendiou debates em Locarno sobre a representação de problemas psiquiátricos e também por sua reflexão sobre o mal. “O cinema tem uma dimensão de propaganda, com seu histórico de propagação de ideologias”, completou o ator. “Os filmes que me instigam vão além da publicidade. Eles são livres.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.